13/9/2013 - 02h08
Seca no semiárido
deve se agravar nos próximos anos
por Elton
Alisson, da Agência Fapesp
Pesquisadores alertam para necessidade de executar
ações urgentes de adaptação e mitigação aos impactos das mudanças climáticas
previstos na região. Foto: Fred Jordão/Acervo ASACom
Agência Fapesp – Os problemas de seca prolongada registrados atualmente no
semiárido brasileiro devem se agravar ainda mais nos próximos anos por causa
das mudanças climáticas globais. Por isso, é preciso executar ações urgentes de
adaptação e mitigação desses impactos e repensar os tipos de atividades
econômicas que podem ser desenvolvidas na região.
A avaliação foi feita por pesquisadores que participaram das discussões
sobre desenvolvimento regional e desastres naturais realizadas no dia 10 de
setembro durante a 1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais
(Conclima).
Organizado pela FAPESP e promovido em parceria com a Rede Brasileira de
Pesquisa e Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), o evento encerra-se
hoje (13), no Espaço Apas, em São Paulo.
De acordo com dados do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e
Desastres (Cenad), só nos últimos dois anos foram registrados 1.466 alertas de
municípios no semiárido que entraram em estado de emergência ou de calamidade
pública em razão de seca e estiagem – os desastres naturais mais recorrentes no
Brasil, segundo o órgão.
O Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças
Climáticas (PBMC) – cujo sumário executivo foi divulgado no dia de abertura da
Conclima – estima que esses eventos extremos aumentem principalmente nos biomas
Amazônia, Cerrado e Caatinga e que as mudanças devem se acentuar a partir da
metade e até o fim do século 21. Dessa forma, o semiárido sofrerá ainda mais no
futuro com o problema da escassez de água que enfrenta hoje, alertaram os
pesquisadores.
“Se hoje já vemos que a situação é grave, os modelos de cenários futuros das
mudanças climáticas no Brasil indicam que o problema será ainda pior. Por isso,
todas as ações de adaptação e mitigação pensadas para ser desenvolvidas ao
longo dos próximos anos, na verdade, têm de ser realizadas agora”, disse Marcos
Airton de Sousa Freitas, especialista em recursos hídricos e técnico da Agência
Nacional de Águas (ANA).
Segundo o pesquisador, o semiárido – que abrange Bahia, Sergipe, Alagoas,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Piauí e o norte de Minas
Gerais – vive hoje o segundo ano do período de seca, iniciado em 2011, que pode
se prolongar por um tempo indefinido.
Um estudo realizado pelo órgão, com base em dados de vazão de bacias
hidrológicas da região, apontou que a duração média dos períodos de seca no
semiárido é de 4,5 anos. Estados como o Ceará, no entanto, já enfrentaram secas
com duração de quase nove anos, seguidos por longos períodos nos quais choveu
abaixo da média estimada.
De acordo com Freitas, a capacidade média dos principais reservatórios da
região – com volume acima de 10 milhões de metros cúbicos de água e capacidade
de abastecer os principais municípios por até três anos – está atualmente na
faixa de 40%. E a tendência até o fim deste ano é de esvaziarem cada vez mais.
“Caso não haja um aporte considerável de água nesses grandes reservatórios
em 2013, poderemos ter uma transição do problema de seca que se observa hoje no
semiárido, mais rural, para uma seca ‘urbana’ – que atingiria a população de
cidades abastecidas por meio de adutoras desses sistemas de reservatórios”,
alertou Freitas.
Ações de adaptação
Uma das ações de adaptação que começou a ser implementada no semiárido nos
últimos anos e que, de acordo com os pesquisadores, contribuiu para diminuir
sensivelmente a vulnerabilidade do acesso à água, principalmente da população
rural difusa, foi o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC).
Lançado em 2003 pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) – rede formada
por mais de mil organizações não governamentais (ONGs) que atuam na gestão e no
desenvolvimento de políticas de convivência com a região semiárida –, o
programa visa implementar um sistema nas comunidades rurais da região por meio
do qual a água das chuvas é capturada por calhas, instaladas nos telhados das
casas, e armazenada em cisternas cobertas e semienterradas. As cisternas são
construídas com placas de cimento pré-moldadas, feitas pela própria comunidade,
e têm capacidade de armazenar até 16 mil litros de água.
O programa tem contribuído para o aproveitamento da água da chuva em locais
onde chove até 600 milímetros por ano – comparável ao volume das chuvas na
Europa – que evaporam e são perdidos rapidamente sem um mecanismo que os
represe, avaliaram os pesquisadores.
“Mesmo com a seca extrema na região nos últimos dois anos, observamos que a
água para o consumo da população rural difusa tem sido garantida pelo programa,
que já implantou cerca de 500 mil cisternas e é uma ação política de adaptação
a eventos climáticos extremos. Com programas sociais, como o Bolsa Família, o
programa Um Milhão de Cisternas tem contribuído para atenuar os impactos
negativos causados pelas secas prolongadas na região”, afirmou Saulo Rodrigues
Filho, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Como a água tende a ser um recurso natural cada vez mais raro no semiárido
nos próximos anos, Rodrigues defendeu a necessidade de repensar os tipos de
atividades econômicas mais indicadas para a região.
“Talvez a agricultura não seja a atividade mais sustentável para o semiárido
e há evidências de que é preciso diversificar as atividades produtivas na
região, não dependendo apenas da agricultura familiar, que já enfrenta
problemas de perda de mão de obra, uma vez que o aumento dos níveis de educação
leva os jovens da região a se deslocar do campo para a cidade”, disse
Rodrigues.
“Por meio de políticas de geração de energia mais sustentáveis, como a solar
e a eólica, e de fomento a atividades como o artesanato e o turismo, é possível
contribuir para aumentar a resiliência dessas populações a secas e estiagens
agudas”, afirmou.
Outras medidas necessárias, apontada por Freitas, são de realocação de água
entre os setores econômicos que utilizam o recurso e seleção de culturas
agrícolas mais resistentes à escassez de água enfrentada na região.
“Há culturas no semiárido, como capim para alimentação de gado, que dependem
de irrigação por aspersão. Não faz sentido ter esse tipo de cultura que demanda
muito água em uma região que sofrerá muito os impactos das mudanças
climáticas”, afirmou Freitas.
Transposição do Rio São Francisco
O pesquisador também defendeu que o projeto de transposição do Rio São
Francisco tornou-se muito mais necessário agora – tendo em vista que a escassez
de água deverá ser um problema cada vez maior no semiárido nas próximas décadas
– e é fundamental para complementar as ações desenvolvidas na região para
atenuar o risco de desabastecimento de água.
Alvo de críticas e previsto para ser concluído em 2015, o projeto prevê que
as águas do Rio São Francisco cheguem às bacias do Rio Jaguaribe, que abastece
o Ceará, e do Rio Piranhas-Açu, que abastece o Rio Grande do Norte e a Paraíba.
De acordo com um estudo realizado pela ANA, com financiamento do Banco
Mundial e participação de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, entre
outras instituições, a disponibilidade hídrica dessas duas bacias deve diminuir
sensivelmente nos próximos anos, contribuindo para agravar ainda mais a
deficiência hídrica do semiárido.
“A transposição do Rio Francisco tornou-se muito mais necessária e deveria
ser acelerada porque contribuiria para minimizar o problema do déficit de água
no semiárido agora, que deve piorar com a previsão de diminuição da
disponibilidade hídrica nas bacias do Rio Jaguaribe e do Rio Piranhas-Açu”,
disse Freitas à Agência FAPESP.
O Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do PBMC, no entanto, indica que a
vazão do Rio São Francisco deve diminuir em até 30% até o fim do século, o que
colocaria o projeto de transposição sob ameaça.
Freitas, contudo, ponderou que 70% do volume de água do Rio São Francisco
vem de bacias da região Sudeste, para as quais os modelos climáticos preveem
aumento da vazão nas próximas décadas. Além disso, de acordo com ele, o volume
total previsto para ser transposto para as bacias do Rio Jaguaribe e do Rio
Piranhas-Açu corresponde a apenas 2% da vazão média da bacia do Rio São
Francisco.
“É uma situação completamente diferente do caso do Sistema Cantareira, por
exemplo, no qual praticamente 90% da água dos rios Piracicaba, Jundiaí e
Capivari são transpostas para abastecer a região metropolitana de São Paulo”,
comparou.
“Pode-se argumentar sobre a questão de custos da transposição do Rio São
Francisco. Mas, em termos de necessidade de uso da água, o projeto reforçará a
operação dos sistemas de reservatórios existentes no semiárido”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, a água é distribuída de forma desigual no
território brasileiro. Enquanto 48% do total do volume de chuvas que cai na
Amazônia é escoado pela Bacia Amazônica, segundo Freitas, no semiárido apenas
em média 7% do volume de água precipitada na região durante três a quatro meses
chegam às bacias do Rio Jaguaribe e do Rio Piranhas-Açu. Além disso, grande
parte desse volume de água é perdido pela evaporação. “Por isso, temos
necessidade de armazenar essa água restante para os meses nos quais não haverá
disponibilidade”, explicou.
As apresentações feitas pelos pesquisadores na conferência, que termina no
dia 13, estarão disponíveis em:
www.fapesp.br/conclima.
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp.
(Agência Fapesp)